RELATO DE EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL DE CRIAÇÃO DE VALOR

Rita de Cássia Franco de Souza Antunes: "Ponderei sobre quão valorosos seus filhos estavam se mostrando, transferindo o aprendizado escolar para as suas vidas, em termos de respeito à dignidade de suas vidas e do bem-estar dos outros."

Sou Especialista em Educação Física. Atuo no Brasil, desde 1973, da Educação Básica ao Ensino Superior, em redes públicas de ensino municipais e estaduais do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, e no setor privado, ao dirigir a Escola Soka do Brasil, em São Paulo.

O farol desse percurso encontra-se no Japão, no legado com o qual estreitei contato em 1993, de ideias e proposições humanistas do Sábio Nitiren Daishonin (Séc. XIII), restauradas e aplicadas à Educação nas décadas iniciais do Séc. XX, por Tsunesaburo Makiguchi e Josei Toda, professores de geografia humana, cabendo ao filósofo, poeta, líder pacifista, Daisaku Ikeda (falecido em 2023), implantá-las no Sistema de Ensino Soka que fundou.

Em 2006, iniciei um ciclo de significativas mudanças na minha vida, tendo como melhor efeito os vínculos criados em um grupo de pesquisa e, paralelamente, com crianças pequenas, moradoras em umas das áreas mais vulneráveis do país, a Cidade de Deus, em uma escola municipal do Rio de Janeiro. E é de lá que trago o episódio que inspirou este relato, que envolve e valida a aplicação da Teoria de Criação de Valor de Makiguchi, a partir da vivência de gêmeos, meus alunos desde a Educação Infantil, apaixonados por futebol; um deles com o sonho de ser artilheiro e, o outro, goleiro.

No contexto de aula, o foco está na criatividade com liberdade responsável em relação a si mesmo, ao “outro” e ao ambiente. Combinados são firmados e os revisamos quantas vezes os resultados apontam como necessário. O senso de realização e pertencimento se afloram e o prazer flui tornando a frequência às aulas algo desejado e vivido com alegria e rigor em relação aos objetivos e metas estabelecidos por consenso. Regras se impõem quando se mostram necessárias e são construídas coletivamente, de acordo com a linguagem de cada faixa etária e, por isso, também se torna natural respeitá-las, assim como, as infrações podem/devem ser alertadas por qualquer participante das atividades.

Ao alcançaram a idade mínima, os gêmeos foram levados pelo pai a uma “escolinha de futebol” que busca talentos. Em menos de um mês do início dos treinos”, o pai solicitou uma conversa, mostrando-se inconformado com a recusa dos meninos em continuar mesmo tendo recebido uniforme tão sonhado do clube famoso e contarem com a sua disposição em acompanhá-los; para o pai, também significava um sonho em progresso. Eles se queixavam de as regras do jogo não serem respeitadas; que o treinador instruía a usarem “falta técnica”, quando um jogador em vantagem, prestes a concretizar um gol, é obstruído por uma ação intencional, que na maioria das vezes o coloca em risco e prejudica a evolução da jogada.

Ponderei sobre quão valorosos seus filhos estavam se mostrando, transferindo o aprendizado escolar para as suas vidas, em termos de respeito à dignidade de suas vidas e do bem-estar dos outros. Foi oportunidade para confrontar, respeitosamente, valores sociais a que estamos expostos, sem a merecida reflexão sobre seus efeitos pessoais e coletivos. Ainda contrariado, notei que ele saiu da reunião com interrogações que o fariam refletir, conforme confirmou posteriormente.

Eu conversei com os meninos, de maneira amigável sobre um meio-termo para tudo e mostrei a eles que, se pretendem ser jogadores profissionais, teriam que aprender a lidar com as adversidades inerentes; e que poderiam ser tão bons que seriam capazes de demonstrar suas altas competências, superando esse tipo de pressão indesejada e negativa, sem se render a ela. No entanto, chorando, eles disseram que não gostavam de machucar os outros e muito menos de se machucar intencionalmente. Assim, não queriam mais ir aos treinos, e não foram. O valor que viam nessa experiência era manter a amizade (fair play) com os jogadores. No fim, escolheram a amizade em vez da fama ou promoção.

Do meu ponto de vista profissional, a reflexão que foi colocada é sobre o quanto as ações pedagógicas afetam vidas, um tema relevante de pesquisa e 'praxis' educacional, onde teoria e prática trabalham juntas.

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[1] Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/2128507100840660

ENGLISH

REPORT OF EDUCATIONAL EXPERIENCE OF VALUE CREATION

Rita de Cássia Franco de Souza Antunes

I am a Specialist in Physical Education and have been working in Brazil since 1973, from Basic Education to Higher Education, in municipal and state public education networks in the Rio de Janeiro-São Paulo axis, and in the private sector, directing the Soka do Brazil School in São Paulo.

In 1993, I came in close contact with the humanistic philosophy and ideas of Nichiren Daishonin, a 13th-century sage from Japan.  He was the beacon of my journey. His teachings were restored and applied to education in the early days of the 21st century by Tsunesaburo Makiguchi and Josei Toda, teachers of human geography and value-creating education. Their disciple, Daisaku Ikeda, a philosopher, poet laureate, and pacifist leader, was the one who put these humanistic ideals into practice when he founded and implemented the Soka Education System.

In 2006, I began a cycle of significant changes in my life, with the best effect being the bonds created in a research group and, in parallel with young children, living in one of the most vulnerable areas of the country, Cidade de Deus, in a municipal school in Rio de Janeiro. It is from there that I bring the episode that inspired this report, which involves and validates the application of Makiguchi's Theory of Value Creation, from the experience of twins, my students since Early Childhood Education, passionate about soccer; one of them with the dream of being a top soccer player and the other a goalkeeper.

In the classroom context, the focus was on creativity with responsible freedom in relation to oneself, the "other," and the environment. Collectively, students created the rules and goals according to their developmental language and signed agreements, which were reviewed as often as necessary.  It became natural for students to respect the rules and take responsibility to ensure they were being followed. Students held themselves and others accountable for the agreements they made collectively. This activity brought about a sense of accomplishment and belonging, which made coming to class a joy and enhanced the rigor of the educational environment.

When they reached the minimum age, the twins were taken by their father to a "soccer school" that seeks talent. In less than a month from the beginning of training, their father requested a conversation, showing dissatisfaction with the boys' refusal to continue, even though they had received a long-awaited uniform from the famous club and counted on his willingness to accompany them. For this father, it also meant a dream in progress. They complained that the rules of the game were not respected; that the coach would instruct him to use a "technical foul," when a player in an advantageous position, about to score a goal, is obstructed by intentional action, which most of the time puts him at risk and harms the evolution of the play.

I could see how the twins had not only learned but transformed their school learning into their lives, in terms of respect for the dignity of their lives and the well-being of others. For me, it was an opportunity to respectfully confront social values to which we are exposed, without the deserved reflection on their personal and collective effects. Still upset, I noticed that he left the meeting with questions that would make him reflect, as he later confirmed.

I talked to the boys, in a friendly way about a middle ground for everything and showed them that if they intend to be professional players they would have to learn to deal with the inherent adversities; and that they could be so good that they would be able to demonstrate their high competences, overcoming that type of unwanted, negative pressure and without surrendering to it. However, crying, they said that they did not like to hit others and even less get hurt intentionally. So, they didn't want to go training anymore, and they didn’t. The value they saw in this experience was to maintain the friendship (fair play) with the players. They ultimately chose friendship over fame or promotion.

From my professional point of view, the reflection that was placed is on how much pedagogical actions affect lives, a relevant theme of research and educational “praxis”, where theory and practice work together.